miniconto 1 - Décima Primeira Rodada, frase obrigatória “o argumento para quem não tem argumento é esse"

Ali estavam os quatro, à volta da mesa, no barraco mínimo e desprovido de qualquer conforto, contando o espólio do assalto que haviam acabado de cometer. A quadrilha havia sido formada naquela tarde e o primeiro assalto fora executado com rapidez e precisão, um sucesso total. Enquanto Tati Divinéia permanecia do lado de fora com as duas motocicletas funcionando, dando o apoio necessário à fuga iminente, Beto Bengala, Piruinha e Pinga-Fogo invadiam a loja de conveniência e limpavam o caixa. A ideia do assalto havia partido de Piruinha, mas a distribuição das funções de cada um havia sido definida por Beto Bengala, o mais experiente do grupo. Dessa forma, mesmo sem uma nomeação clara, Beto era o líder do grupo, o que não atendia plenamente seus anseios. Ele queria ser aclamado chefe da quadrilha de forma inconteste para atender sua vaidade e ficar sempre, é claro, com a parte do leão. Assim, quando Tati informou o montante do espólio (R$ 2.083,00) e sugeriu R$ 500,00 para cada um mais uma rodada de cerveja e churrasquinho de gato na birosca do Leôncio com os R$ 83,00 sobrantes, Beto contestou:
- Não concordo! A Tati ficou em cima da moto, só de beleza, não fez nada!
- É, mas se a cana dura aparece...
- Sim, mas não apareceu! É R$ 300,00 prá você que não fez nada e é mulher e R$ 700,00 prá mim que fiz tudo e sou o chefe!
- Só que nada disso foi combinado antes!
Nesse momento os ânimos já estavam bastante exaltados e Beto resolveu mostrar quem mandava, consolidando sua liderança. Sacando sua arma deu o ultimato:
- Você vai calar a boca ou eu devo fazer isso?
- O argumento para quem não tem argumento é esse, muito macho de arma na mão.
Beto Bengala desejava e poderia naquele momento liquidar Tati Divinéia, mas aquilo poderia ser péssimo para sua reputação. Afinal, o que poderia uma mulher de 55 quilos, 1,62 metros e desarmada fazer contra um homem armado de 1,77 metros e quase 90 quilos? Assim, decidiu domar aquela gata rebelde na pancada. Ato contínuo passou a pistola para a mão esquerda e com a direita desferiu um bofetão que fez Tati rodopiar, estatelando-se no chão de terra batida.
- E aí, chega ou quer mais?
- Chega, chega... R$ 300,00 tá bom prá mim – respondeu Tati, enquanto o sangue lhe escorria pelo canto da boca. Tentou levantar-se mas não conseguia, estava totalmente grogue.
- Alguém mais quer dizer alguma coisa? – Perguntou olhando desafiadoramente para os demais do bando. Diante do silêncio dos dois comparsas, Bengala concluiu que sua liderança estava definitivamente consolidada, guardou a arma na cintura e resolveu contar vantagem.
- Porque comigo é assim, piranha nenhuma vai chegar e tirar farinha com a minha ca...
Beto Bengala não chegou a concluir sua frase, interrompida pela inexorável trajetória do projétil que, vindo da mão de Tati, que se encontrava de joelhos, penetrou-lhe pelo pescoço, saindo pela têmpora direita, salpicando o teto de sangue e fragmentos de cérebro e osso.
Ainda bastante tonta, Tati colocou seu 38 fumegante sobre a mesa e comentou calmamente com seus parceiros:
- Acho que vamos ter que fazer as contas de novo...
- Não, por mim você fica com a parte do Beto e tudo bem – declarou Piruinha.
- Por mim também – acompanhou Pinga-Fogo.
Naquela noite saíam de cena Beto Bengala e Tati Divinéia para dar lugar a Tati Tresoitão – O Mito.