Nona rodada, miniconto 5
Em busca de um sorriso
Olha para o lado e vê os seus colegas de trabalho sentados à frente do computador, apenas esperando o tempo passar. O tempo, este eterno inimigo que anda rápido demais quando realizamos atividades prazerosas e se arrasta quando queremos que ele voe.
Maria olha mais uma vez seus amigos e pergunta para si mesma se aquele ambiente burocrático, que escolheu para passar o resto de sua vida, fazia algum sentido. Ela investiu quatro anos, estudando e abrindo mão de todos os seus prazeres. Agora, que alcançou os seus objetivos, está ali, sentada no canto de uma sala, apenas cumprindo sua carga horária de trabalho, oito horas por dia, quarenta horas por semana, totalmente entediada.
Com o passar do tempo viu suas expectativas reduzindo e seus sonhos desaparecendo. Agora ela podia comprar aquele sapato, aquela calça ou aquele vestido, mas nem mesmo isso a estimulava. A única coisa que a fazia feliz era andar de moto. Para ela a felicidade era andar sobre duas rodas.
Um dia desses, no intervalo do almoço, Maria resolveu ir ao shopping, em mais uma tentativa frustrada de ‘tapar os seus buracos’ existenciais. Depois de muito andar, e não encontrar nada que a interessasse, resolveu voltar à repartição e cumprir suas últimas quatro horas de castigo diário. Ao sair, percebeu a presença de uma moradora de rua que estava sentada no chão. A mendiga observava o quanto as pessoas andavam rápido, sem prestar atenção umas nas outras. De repente, a maltrapilha começou a sorrir um sorriso forte, largo, intenso e sincero.
Essa atitude, vinda de uma mulher considerada a margem da sociedade, fez com que muitos parassem e olhassem, ainda que timidamente, aquele gesto tão despropositado. Maria, assim como os outros transeuntes, não ficou indiferente. Aliás, pelo contrário, ela ficou parada em frente a mendiga. Ela, pós-graduada, concursada, já havia perdido o estímulo para viver, e aquela criatura desprovida de tudo, até mesmo de sua vergonha, ria debochadamente com toda a sua alma.
Maria, que no início buscou entender o sentido daquela felicidade, agora se sentia incomodada. Ela ficou fitando a mulher, não se aguentou e foi tirar satisfação:
- Pare de rir tão alto, você está incomodando as pessoas. Se você não parar vou chamar o segurança para retirar a senhora daqui!
A pobre mulher ficou observando, silenciosamente, a ação daquela desconhecida tão descontrolada. E, de repente, sentiu crescer dentro de si uma gargalhada imensa que explodiu na face de Maria.
A funcionária pública investida de sua condição de pessoa de ‘bem’, ajustada à sociedade, perdeu totalmente o controle e pegou a mulher pelo braço:
- Eu já disse para você parar, está surda? Qual é o seu problema? Por que você não para de rir?
- Sorrir é o maior presente que ganhei da vida e assim eu sigo. Eu vejo vocês andando desesperadamente sem saber pra onde e acho isso tudo tão engraçado! – respondeu a maltrapilha.
Maria soltou os braços da mulher bem devagar, com os olhos fixos nos olhos dela e assim ficou.
De longe, uma de suas colegas de trabalho observava o espetáculo e comentou com uma pessoa que a acompanhava:
- Se eu fosse ela, pegava essa moto e não voltava mais.
Depois de sair de uma espécie de transe, Maria percebeu o circo que estava armado e correu em direção ao estacionamento onde pegou a sua moto e saiu sem destino. Aquele dia ela não voltou para a repartição, a partir daquele momento, ela começou a correr atrás do seu sorriso perdido.

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