miniconto 4 - Décima Rodada, frase obrigatória "Fingir-se
de morto não vai adiantar"
Comer, Rezar e Guerrear
Abri os olhos lentamente como quem acorda de um sono profundo,
porém nunca na vida me sentira tão refeito por sono algum. Uma sensação de saciedade, tranquilidade e bem estar que jamais
experimentara. O ambiente me era estranho, as paredes eram altas e pareciam ser
feitas de material sintético. Nelas, não se viam vigas, colunas, portas ou
janelas. Com tons de cinza à medida que se erguiam, as paredes avançavam sobre
mim em um raio continuo. A iluminação e a ventilação não partiam de um ponto especifico,
mas forneciam temperatura e claridade agradável. Reinava no ambiente um
silêncio absoluto e não existiam móveis além de macas, como a em que me
encontrava deitado.
Girei a cabeça e reparei que não era o único no ambiente. Havia
dezenas, talvez centenas a minha direita e outros tantos a minha esquerda, além
de outra fileira idêntica a nossa colocada de maneira oposta, como se
estivéssemos refletidos por um espelho gigante. Todos, como eu, estávamos deitados de costas com o olhar perdido para o teto, como se víssemos algo no
infinito. Notei que os ocupantes das outras macas estavam carecas, passei a mão
na cabeça e nada. Aliás, não só na cabeça. Não tínhamos pelo em parte alguma do
corpo. Voltei a tocar a cabeça e senti algo diferente. Bem no topo do crânio
havia uma saliência subcutânea, mas não incomodava. Pensei: “fingir-se de morto
não vai adiantar!”, então dirigi-me à pessoa do lado: “você sabe onde estamos?”.
O som da minha voz me soou horrível devido ao silêncio que reinava. Uma voz feminina
serena e harmoniosa me veio através da tal protuberância do crânio e disse: “agora
que despertou você será integrado à sociedade ideal”. Quando mentalizei o que
seria a próxima pergunta, antes de articulá-la, a voz se antecipou e a respondeu
prontamente. Criamos a partir dali uma nova forma de comunicação que dispensava
a voz na qual meus questionamentos eram respondidos antes que eu terminasse de mentalizá-los e assim fiquei sabendo de tudo:
“Começou em uma determinada noite, uma faixa de mais ou menos
50 quilômetros que cortava a Europa de Leste a Oeste ficou às escuras. Porém,
não era simplesmente falta de eletricidade. Toda forma de energia sumira e mesmo
com as hidrelétricas, termoelétricas e usinas nucleares funcionando a todo
vapor a energia simplesmente não chegava ao fim das linhas de transmissão. As
baterias dos carros, as pilhas dos rádios e das lanternas se descarregaram
mesmo antes de utilizadas. Um pandemônio se instalou no mundo com os países se
acusando mutuamente e de repente não se podia contar com televisão, rádio,
carros, metrô, elevador, iluminação pública e nada que dependesse de energia. Um
grande incêndio foi causado e milhares de mortes ocorreram pela falta de
energia nos hospitais e a queda dos aviões que se encontravam em pleno voo. Do
dia para a noite, aquela região voltou à idade média e houve um êxodo de
milhões e milhões de pessoas. Com as autoridades restabelecidas, ainda que
precariamente, fora da faixa que permanecia às escuras, iniciaram-se as
investigações. Tão estúpidas eram as hipóteses e soluções inventadas que
resolvemos nos manifestar”.
“E quem são vocês?”, mentalizei. “Somos o que vocês costumam
chamar de extraterrestre”. “E o que vocês querem da Terra?”. “Nada! Se
pensássemos o universo como uma árvore, a terra seria um fruto estragado em que
o homem seria o bicho que o destrói com sua ganância. Da terra, só nos
interessaria a Amazônia, o Alasca, o Polo Norte e o Polo Sul, ou seja, os
locais onde o homem ainda não se instalou”. “Mas nossa energia vocês quiseram!”.
“Nem isso nós queremos, a energia de vocês é primitiva e danifica nossos
equipamentos. Usamos a energia do sol que é abundante e não causa danos quando
usada corretamente”. “E por que pegaram então?”. “Nossas naves são equipadas
com dispositivos que sugam energia de toda e qualquer fonte e nos aproximamos
da terra com este equipamento ativado por engano. Só vocês, ignorantes e
prepotentes como são, investem tanto tempo nesse tipo de energia com tanto sol
disponível. Pense nos danos que a inundação de uma hidrelétrica causa. Pense
nos inconvenientes de uma usina nuclear ou a carvão”. “Vocês vão acabar com o
Planeta Terra?”. “Não, vocês vão se autodestruir. Nós vamos apenas causar isso.
Como? Vamos manter o equipamento ligado tirando toda energia da terra, assim
não haverá comida suficiente, pois as máquinas agrícolas não funcionarão, não
haverá moradia suficiente, pois os edifícios sem elevadores são inúteis. Então
haverá guerras, fome e por fim canibalismo. Como você sabe, na menor
dificuldade o homem pratica o canibalismo. Lembra do episodio nos Andes? O
homem além de tudo é extremamente ignorante também no que diz respeito à
alimentação, basta ver os índices de obesidade nas regiões ditas desenvolvidas.
Vocês quando melhoram o poder aquisitivo simplesmente comem até morrer de
infarto, aneurisma ou coisa que o valha”. “Como vocês acham que deveríamos agir
de uma maneira geral? Quais foram nossos grandes erros?”. “Não há mais tempo
para corrigir, pois o homem é egoísta e não pensa no bem comum. Vocês não
pensam nas próximas gerações nem da própria família quanto mais na da
humanidade. Se a humanidade empregasse o tempo que gasta comendo, guerreando e
rezando em estudos não estaria nessa situação”. “E o que pretende com a gente
aqui deitado?”. “Estamos desenvolvendo um estudo em que não usaremos mais
corpo, nestas cápsulas implantadas no topo do crânio de vocês tem alimento e
oxigênio para o funcionamento do cérebro até o fim dos seus dias, partimos do
principio que tudo o que queremos na vida são emoções e emoções são
provenientes de impulsos elétricos no cérebro e esta cápsula está programada
com muito mais emoções que você jamais teria se continuasse com sua vidinha
terrestre”.
E assim os corpos foram desligados das cabeças que
continuaram ali com o olhar fixo no teto interagindo com os ETs por anos e anos
dentro do galpão no meio do deserto com seu revestimento de painéis solares.
(imagem: http://eradourada2012.blogspot.com.br/2012/08/emmanuel-atraves-de-langa-04122009.html)

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