miniconto 3 - Décima Rodada, frase obrigatória "Fingir-se de morto não vai adiantar"
CONVOCAÇÃO
Enquanto meus colegas saíam de sala, coronel Gonzaga gesticulou indicando que queria falar comigo depois e a sós. Mais tarde, ao me apresentar na sua sala, levantou-se, foi até o corredor, checou de um lado e do outro para certificar-se de que não havia ninguém, trancou a porta a chaves e só então desdobrou parte da folha que trazia impressa nas mãos onde se via o brasão da corporação e o título: “CONVOCAÇÃO”. Como qualquer aluno de ultimo período, me mostrei ansioso para por em prática tudo que aprendera durantes aqueles longos e entediantes meses de aulas teóricas e treinamentos infindáveis. Da gaveta sob a mesa sacou um envelope pardo e despejou sobre o tampo de madeira lustrada todo o seu conteúdo. Viam-se amontoadas ali dezenas de fotos do meu cotidiano nas quais eu era visto nas mais variadas situações. Havia também extratos da minha conta bancária, índices do meu aproveitamento nos mais diversos cursos que fizera no decorrer da minha vida na academia e todo tipo de informações pessoais.
Voltando-se para mim deu início ao discurso com a voz ainda a meio tom como quem teme estar sendo vigiado. “Você foi indicado para uma missão ultra secreta e, embora seu histórico o qualifique plenamente, foi determinante para a escolha o fato de não ter parentes na polícia e nem fora dela. Vejo aqui, porém um baixo rendimento no curso de tiro”. Mostrei-me repentinamente abatido como quem recebera uma ducha de água fria. Impassível, o coronel caminhava em círculos pela sala enquanto abanava o e-mail e continuou o discurso, “sua indicação veio do alto comando e prevê disponibilização imediata. Porém, recomendam, como era de se esperar, que seja submetido por mim a um curso intensivo de tiro prático, pois a missão além de secreta, segundo eles, envolve sérios riscos de confronto a tiros. Portanto nos encontraremos às 5 horas da manhã na baia 8 do estande de tiro prático com armas curtas para darmos início ao treinamento que deverá melhorar sua acuidade em alvos distantes até 20 metros e onde entraremos em maiores detalhes sobre a operação”.
Seguiram-se então uma infinidade de recomendações quanto ao sigilo que deveria ser mantido sobre o assunto, ameaças do que ocorreria comigo caso vazasse algo de qualquer forma que fosse e as orientações de praxe, como deixar uma mala arrumada para uma saída repentina, comentar com o porteiro en passant que eu estava prestes a fazer uma longa viagem para visitar um parente distante, suspender a entrega de jornais e revistas entre outras medidas destinadas a justificar meu sumiço sem despertar suspeitas. Após ser liberado pelo coronel, percorri o longo corredor que dava acesso às salas da chefia, desci a imensa escada de madeira entalhada que ligava o andar superior ao enorme hall de entrada da delegacia, cumprimentei o Freitas que dava plantão na guarita e caminhei pela calçada as três quadras que me levariam até o estacionamento onde deixara o carro sem me importar com a garoa que caía.
Quando cheguei ao estacionamento, atravessei a larga avenida que àquela hora encontrava-se com pouco movimento, entrei no bar ELEONORA onde já era conhecido, acenei ao Barbosa que com a velha toalha nos ombros veio me atender. Pedi uma bebida e me dirigi à mesa encostada na parede de onde eu poderia observar todo o movimento de entrada e saída da freguesia. Fiquei por ali cerca de 2 horas, levantei então e fui até o carro pegar minha capa, pois a garoa havia se tornado chuva ainda que fraca.
Enquanto fazia o caminho de volta até a delegacia, liguei para o Freitas na guarita que após me fazer jurar por todos os santos que nunca ninguém ficaria sabendo, permitiu minha entrada fora do meu horário sem registrar no livro de ocorrências. Já no hall, ao invés de me dirigir à minha sala como havia prometido, subi a grande escada de madeira e percorri o corredor das salas da chefia parando diante da sala do coronel que abri usando minha chave mixa e abri nas cortinas uma fresta virada para a guarita. Sem acender a luz, liguei o computador e com o olho na tela e os ouvidos em tudo que acontecia no corredor, passei a pesquisar as pastas que ali continham e não demorou encontrei o arquivo com o título: CONVOCAÇÃO.
Ao clicar para que a máquina exibisse seu conteúdo senti um frio percorrer a minha espinha, não pelas imagens dos arquivos, mas por sentir o cano gelado da Pistola 45 que o Freitas encostara na minha nuca. “Você se acha muito esperto, não é?”, perguntou enquanto pressionava ainda mais a arma contra a minha cabeça. Erguendo os braços, girei o corpo ficando de costas para o monitor enquanto providenciava uma desculpa esfarrapada. Mal comecei a falar, notei os olhos esbugalhados do Freitas para a tela e reparei que ele não ouvia nada do que dizia. Voltei então lentamente para o computador e vi o que o enojava: uma infinidade de fotos de sadomasoquismo envolvendo o coronel Gonzaga e crianças, inclusive com necrofilia.
Freitas que era pai de duas meninas lindas fez ânsia de vomito diante das cenas ali expostas, demostrando ter além da já conhecida pouca inteligência o estomago fraco. Após mover para o meu pendrive todos os arquivos excluindo assim do HD, fui até a mesa do coronel, abri a gaveta, peguei o envelope pardo com o meu dossiê e um outro azul lacrado que se encontrava embaixo dele, fechei a gaveta, desliguei tudo, limpei nossas digitais e saímos trancando a porta cuidadosamente para não deixar vestígios. De volta ao bar, instalado novamente na mesa rente a parede, abri e examinei o conteúdo do envelope azul, em seguida destruí as fotos onde eu aparecia fazendo sexo com as crianças enquanto aguardava meu colega terminar seu turno na guarita.
Passava da meia noite quando Freitas chegou, comecei a explicar os motivos da invasão ao escritório do coronel. Contei que fora convocado para um treinamento na manhã seguinte no qual a intenção do coronel seria livrar-se de mim simulando um acidente no treinamento de tiros e dias depois deflagrar um escândalo jogando sobre mim a culpa de toda aquela barbárie e para isso já contava com fotomontagens onde ao invés dele, eu apareceria nas cenas que ele vira no computador. Estando o coronel à frente das investigações e eu não tendo familiares para questionar nada e nem lutar pelos meus direitos, rapidamente daria por encerrado o caso que já rolava na corregedoria após denuncias de que um policial estaria envolvido nos casos de pedofilia que vinham sendo noticiados nos jornais locais. “Que safado!”, disse Freitas.
Com a invasão esclarecida passamos a planejar nossos próximos passos. Mostrei ao Freitas as fotos do coronel impressas que não se conteve e no auge da indignação se manifestou: “fingir-se de morto não vai adiantar, por mim invadíamos a casa do safado agora e dávamos fim nele”. Após convencê-lo a agir seguindo meus métodos e fazê-lo repetir inúmeras vezes seu papel no meu plano, seguimos cada um para sua casa.
Pouco antes das 5 horas da manhã, ao chegar ao estande de tiros já encontrei o coronel no boxe 8 praticando por puro prazer, pois sua sala era forrada de quadros com medalhas de campeonatos de tiros ganhos por ele em várias modalidades. Ao me ver, dispensou as formalidades das continências e enquanto recarregava a arma foi direto ao assunto. “Você foi uma das maiores promessas que passou por aqui nos últimos tempos”, disse o coronel, o tom da sua voz agora não soava nada amigável. “Fui, coronel?”, perguntei com ar de deboche”. “Sim!”, respondeu rispidamente. “Você será desmascarado! Sei tudo sobre você e suas façanhas com essas crianças inocentes, investiguei por conta própria para não enxovalhar o nome da jurisdição, tenho tudo documentado e chegou a hora de você prestar contas aos pais e mães dessas crianças que você molestou”. Após dar uma rápida olhada em volta para me certificar de que estávamos a sós, perguntei: “e como o senhor pretende me forçar a isso?”, mostrando discretamente a arma que carregava na cintura. Quase rindo disse o coronel: “ora rapaz, você teria que ser bem mais ágil com uma arma do que consta no seu histórico para sacar e me atingir se estivéssemos de igual para igual, quanto mais eu estando já com a minha nas mãos”.
Dei um passo para trás e levei a mão à cinta, não para sacar, pois sabia que não seria páreo para o coronel, e sim para fazer o gesto combinado com Freitas, este sim um exímio atirador que aguardava de longe para um tiro de snipe. Atingido na têmpora, o corpo do coronel se projetou no ar e caiu inerte a metros de distancia, já sem vida. Aproximei-me e tirei do seu bolso a falsa CONVOCAÇÃO que eu havia plantado em seu computador dias antes ao saber de suas investigações sobre as minhas atividades sexuais.
Após horas ajudando a equipe da perícia que levantava dados para tentar descobrir de onde poderia ter partido o tiro que atingira o coronel durante nosso treinamento, fui liberado para dar continuidade a minha vida, pois o caso seria tratado como vingança de alguém que acabara preso pelas ações do coronel linha dura.
Ao chegar ao estacionamento, já longe do local do ocorrido, meu amigo Freitas me aguardava consternado. Com tudo que eu passara, convidou-me para almoçar em sua casa, pois segundo ele nada melhor nesses momentos de crise do que companhia da família e por eu não ter a minha própria a família dele a partir dali seria a minha família. Tive que virar para o lado para que ele mesmo sendo burro como era não percebesse minha expressão e o brilho nos meus olhos ao lembrar das suas duas filhinhas lindas.

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